segunda-feira, 10 de maio de 2010

YogaNidra (Swami Satyananda Saraswati)


Swami Satyananda Saraswati

Tradução Ana Malagueta

Introdução

O yoganidra, que é derivado dos tantras, é uma técnica poderosa na qual você aprende a relaxar conscientemente. No yoganidra, dormir não é considerado relaxamento. As pessoas sentem que estão relaxando quando caem em uma cadeira com uma xícara de café, uma bebida ou um cigarro, lendo um jornal ou ligando a televisão. Mas isto nunca será suficiente para uma definição científica de relaxamento. Estes são apenas desvios sensoriais. O relaxamento verdadeiro é, na verdade, uma experiência muito além desta. Para um relaxamento absoluto, você deve permanecer consciente. Isto é yoganidra, o estado do sono dinâmico.

O yoganidra é um método sistemático para induzir o completo relaxamento físico, mental e emocional. O termo yoganidra é derivado de duas palavras Sanskritas, yoga significa união ou consciência intencional, e nidra significa sono. Durante a prática de yoganidra, nós parecemos estar dormindo, mas a consciência está funcionando em um nível profundo de conhecimento. Por este motivo, o yoganidra é normalmente mencionado como o sono médium ou relaxamento profundo com consciência interior. Neste estado de limiar entre o sono e despertar, o contato com as dimensões do subconsciente e do inconsciente ocorre espontaneamente.

No yoganidra, o estado de relaxamento é alcançado voltando-se para o interior, longe de experiências de fora. Se a consciência pode ser separada da consciência externa e do sono, torna-se muito poderosa e pode ser aplicada de várias maneiras, por exemplo, para desenvolver a memória, aumentar o conhecimento e criatividade, ou transformar nossa natureza.

No rája yoga de Pátañjali, há um estado chamado pratyáhára onde a consciência mental e espiritual são desassociadas dos canais sensoriais. O yoganidra é um aspecto do pratyáhára que leva ao mais elevado estado de concentração e samádhi.

O nascimento do yoganidra

Há 35 anos, quando eu estava vivendo com meu guru, Swami Sivananda, em Rishikesh, tive uma experiência muito importante que engatilhou meu interesse no desenvolvimento da ciência do yoganidra. Fui designado para vigiar a escola Sanskrit onde meninos estavam aprendendo a entoar os Vedas. Era meu dever permanecer acordado a noite toda, para vigiar a escola enquanto o acharya estivesse fora. Às três da manhã, eu costumava dormir profundamente e, às seis, eu levantava e voltava ao ashram. Nesse meio tempo, os meninos acordavam às quatro e entoavam as orações Sanskrit, mas eu nunca os ouvia.

Algum tempo depois, meu ashram teve uma grande função, e os meninos da escola Sanskrit foram chamados para entoar os mantras védicos. Durante a função eles recitaram certos slokas que eu não conhecia, embora eu sentisse de alguma forma que eu os tinha escutado antes. Enquanto eu ouvia esse sentimento cresceu, e eu tentava em vão lembrar onde e quando eu os havia ouvido. Eu estava certo de que eu nunca os havia lido ou escrito, embora soassem tão familiares para mim.

Finalmente, decidi perguntar ao guru dos meninos, que estava sentado próximo, se ele poderia explicar o significado do que eu estava sentindo. O que ele me disse mudou completamente minha perspectiva sobre a vida. Ele disse que este sentimento de familiaridade não era uma surpresa, já que meu corpo ouvia os meninos entoando os mesmos mantras muitas vezes enquanto eu dormia na escola. Isto foi uma grande revelação para mim. Eu sabia que o conhecimento podia ser transmitido diretamente através dos sentidos, mas a partir desta experiência eu percebi que você também pode ganhar conhecimento diretamente, sem qualquer meio sensorial. Este foi o nascimento da yoganidra.

A partir dessa experiência, mais idéias e estalos vieram-me à cabeça. Eu percebi que dormir não era um estado total de inconsciência. Quando você está sonolento, há ainda um estado de potencialidade, uma forma de consciência que está desperta e totalmente alerta a situações de fora. Descobri, com o treinamento da mente, que é possível utilizar este estado.

A origem tântrica

Após esta descoberta, comecei a estudar as escrituras tântricas de forma diferente. Encontrei muitas práticas importantes, mas pouco conhecidas, que me interessaram muito. Após praticá-las comigo, decidi construir um novo sistema chamado yoganidra, que incorporaria a essência destas práticas sem ter as desvantagens de rituais complicados.

A principal característica do yoganidra era a rotação sistemática da consciência no corpo, originada da prática tântrica do nyasa (que significa “colocar” ou “elevar a mente àquele ponto”). O nyasa era praticado em uma postura sentada e envolvia a utilização de mantras específicos, que eram colocados ou experimentados em diferentes partes do corpo. Primeiro, o nome da parte era mencionado, então era visualizado ou tocado, e o mantra era colocado lá. O nyasa era uma maneira de consagrar o corpo físico estimulando o conhecimento avançado ou a consciência divina nas várias partes durante as práticas do ritual tântrico. Por exemplo, o Angushtadi-Shadanga-nyasa foi utilizado para colocar mantras na mão, conforme segue:

- Polegar: Hram angushtabhyam namah

- Dedo indicador: Hrim tarjanibhyam swaha

- Dedo médio: Hrum madhyamabhyam vashat

- Dedo anelar: Hraim anamikabhyam vashat

- Dedo mindinho: Hraum kanishthabhyam vaushat

- Palma e costas da mão: Hrak karatalaprishtabhyam phat

De forma semelhante, no Hridayi-Shadanga-nyasa, certos mantras são colocados em várias partes do corpo.

A atual forma de yoganidra, que eu idealizei, permite que as pessoas que não estejam familiarizadas com os mantras Sanskrit tenham todos os benefícios do nyasa tradicional. Pode ser praticado por pessoas de qualquer religião ou cultura. No começo eu costumava chamar esta prática de “sono yógico”, mas agora eu tenho mais consciência das potencialidades do yoganidra e acredito que a yoganidra nada mais é do que o yoganidra. Se você pedir que eu traduza o yoganidra para o francês ou o espanhol, eu diria “yoganidra”. É uma prática internacional.

Experiências com yoganidra

Desde a idealização da prática, tenho feito vários experimentos para validar estas idéias. Primeiro eu tentei em mim, e depois em diferentes pessoas. Eu até tive sucesso ao treinar um cachorro Alsatian. Depois, experimentei com alguns de meus discípulos e com muitas crianças, dando a elas conhecimento, experiência e instruções enquanto elas estavam dormindo profundamente.

Uma das experiências mais interessantes foi com um menino que se apresentava como meu ashram para sannyasa. Eu queria mandá-lo para a escola, mas ele recusava-se. Ele era um menino muito travesso, um macaquinho absoluto. Todo dia ele quebrava coisas, constrangia visitantes e causava acidentes. Finalmente, ele tornou-se tão responsável com o ashram que eu decidi tentar o yoganidra nele.

Comecei entoando o capítulo 15 do Gita para ele por treze minutos depois que ele dormia. Então, quando ele acordava de manhã, eu o fazia ler o capítulo, o que ele fazia, claro, sem pensar. Depois de uma semana, ele recitava o capítulo de cor. Após este sucesso, fui adiante com outros textos, e, desta forma, consegui ensiná-lo sobre Srimad Bhagawatam, Upanishads, Bíblia, Corão, Inglês, Hindu, Sanskrit, tudo o que eu sabia, enquanto ele dormia.

Agora que o garoto tem vinte e um anos eu o enviei aos Estados Unidos. Ele fala sete línguas, e escreve e lê em inglês melhor que eu, mesmo ele nunca tendo ido à escola. Todo seu estudo e aprendizado foi feito no período de dois anos, quando eu dei-lhe o yoganidra, e ele sequer lembra disso.

Logo depois disso, eu fiz outra experiência. Trinta pessoas estavam praticando o yoganidra e aproximadamente dez delas estavam roncando. Naquela hora eu as instrui, “Quando eu disser Hari Om Tat Sat você deve levantar-se”. Repeti duas vezes. Quando o yoganidra terminou, eu disse “Hari Om Tat Sat” e todos levantaram, mesmo aqueles que estavam roncando. Eu perguntei a eles como eles haviam acordado. Eles disseram “De repente”. Eles não ouviram o último Hari Om Tat Sat, nem mesmo aquele no meio da prática, mas de alguma forma eles seguiram minhas instruções. Agora, este é um fator muito significativo. Isto significa que, mesmo que você esteja dormindo, você está consciente e alerta.

A partir destas experiências, eu tirei minhas próprias conclusões. O sono profundo não pode ser sono total. Talvez quando você estiver em sono profundo à noite você tenha mais consciência, mais potencial do que quando você está em estado dormente. Isto significa que você aprende mais quando você está dormindo do que quando você está acordado, e isto é como nós estamos utilizando o yoganidra para a evolução da mente.

Impressionando a mente

Como isto acontece? A resposta é simples. Quando o relaxamento é completo, a receptividade é maior. Quando a consciência está conectada com todos os sentidos, a receptividade é menor. Este é o segredo do yoganidra. Devido à intelectualização do processo, o conhecimento que vai ao cérebro não o impressiona lá. Mas quando você volta sua mente um pouco e entra em um estado onde você não está nem em sono profundo e nem completamente acordado, quaisquer impressões que entram na mente nesta hora tornam-se poderosas e permanecem ali.

Há diferentes níveis da mente. Alguns são solos áridos; alguns são solos macios. A mente consciente é como solo árido porque tem intelecto e lógica em operação. O intelecto é o processo de análise das coisas. Não aceita tudo; rejeita também. Mas a consciência profunda não é assim. Quaisquer impressões que você plantar na mente subconsciente não podem ser rejeitadas. Crescerá e os frutos enriquecerão cada aspecto de sua vida.

Portanto, você não deve preocupar-se se você dormir no yoganidra. Por outro lado, talvez seja mais poderoso. Mas, você deve ter algo em mente: “Eu não vou dormir”. Você deve tentar não dormir. Você deve tentar permanecer acordado, porque se você dormir, não será yoganidra.

Supondo que você toque uma fita, mas você durma e não ouça nada. Então, o que você deve fazer é retocar a fita de manhã, quando você acordar. Ouça com muita atenção. Isto criará a comunicação ou a ponte entre a consciência e a inconsciência. Isto é como as línguas são aprendidas. Você pode aprender qualquer coisa assim. Se você tiver certos hábitos que você quiser superar, a semente ou sankalpas correto seria primeiro colocado no inconsciente e depois você deve ouvi-lo durante a consciência. Esta é uma ciência importante da autotransformação yógica para o futuro.

O estado hipnayógico

No yoganidra, a consciência é um estado entre o acordar e o dormir, mas não está relacionado a nenhum deles. Na psicologia moderna refere-se como “o estado hipnagógico”, mas eu prefiro chamá-lo de “o estado hipnayógico”. Mas o melhor nome é “yoganidra”. Neste estado, a mente é excepcionalmente receptiva. Línguas e outros assuntos podem ser aprendidos rapidamente. As sugestões dadas nesta hora são um sucesso para a remoção de hábitos e tendências indesejáveis. De fato, o yoganidra pode ser utilizado para direcionar a mente a alcançar qualquer coisa. Este é o segredo da realização de grandes yogis e swamis.

A prática do yoganidra permite que você receba intuições da mente inconsciente. Este estado é a fonte de inspiração poética e artística. É também fonte das maiores descobertas científicas criativas. Wolfgang Von Goethe utilizava as inspirações e intuições deste estado para resolver problemas que surgiam em seu trabalho. Nos sonhos que ocorrem neste estado, Kekule percebeu a estrutura molecular do benzeno, o poeta Nobel Niels Bohr viu a estrutura planetária do átomo, e Einstein acelerou seu conhecimento na velocidade da luz no famoso “experimentos do pensamento”, que levou à teoria da relatividade.

As intuições recebidas no yoganidra permitem que você encontre em você mesmo as respostas para todos os problemas. Sua verdadeira natureza e integridade se manifestam, permitindo que eles vivam uma vida significativa e de paz em qualquer ambiente. Esta é a abertura do “terceiro olho”, que leva a consciência além da personalidade condicionada, com suas tensões e complexidades. Não mais identificado com a mente e o corpo, seu ser é impregnado com a consciência divina.

No Tripura Rahasya afirma-se: “Portanto, perceba com sua própria mente sua natureza verdadeira, que é pura, consciência não dividida do resto da mente, que é composta de todo o universo em sua total diversidade. Perceba, com sua mente, o estado entre dormir e estar acordado... Este é o verdadeiro Eu, inerente, no qual você não será mais enganado.”

Um comentário:

  1. O desapego de todas as coisas materiais é essencial em um estado de meditação profunda...

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